«Um lóbi pró-organismos geneticamente modificados (OGM) lançou um relatório onde se congratula pela expansão da área cultivada com transgénicos em 14 milhões de hectares no último ano, o segundo maior aumento de sempre.
opiniao 27 Fevereiro, 2011 - 03:51 Por Ricardo Coelho
O sector da “comida Frankenstein” recentemente gritou vitória de novo. O Serviço Internacional pela Aquisição de Aplicações Agro-biotecnológicas (ISAAA), um lóbi pró-organismos geneticamente modificados (OGM) financiado por empresas como a Monsanto e a Bayer e instituições como o governo dos EUA e a UNESCO1, lançou um relatório onde se congratula pela expansão da área cultivada com transgénicos em 14 milhões de hectares no último ano, o segundo maior aumento de sempre.
O país campeão do cultivo de OGM continua a ser os EUA, com 66,8 milhões de hectares. Segue-se o Brasil e a Argentina, os países para onde a produção de soja transgénica destinada à alimentação de gado está a ser deslocalizada. A lista dos maiores produtores inclui ainda a Índia, o Canadá, a China, o Paraguai, o Paquistão, a África do Sul e o Uruguai. A União Europeia, por seu lado, tem-se destacado como uma resistente à invasão dos OGM, graças à acção de movimentos ecologistas, de consumidores e de agricultores, tendo registado um declínio na área cultivada.
Dados os riscos dos OGM para a saúde, para a sustentabilidade do sector agrícola e para o ambiente, esta é uma má notícia. Vejamos por partes quais são estes riscos.
No que toca à saúde, os defensores dos transgénicos defendem a sua inocuidade para a saúde humana afirmando que não há estudo que comprove o contrário. Mas este argumento inverte o ónus da prova. Na realidade, é aos fabricantes dos OGM que compete demonstrar que estes produtos não causam qualquer risco para a saúde humana. Mas estes estudos não são feitos e ainda hoje escasseiam estudos independentes que permitam averiguar quais os perigos para a saúde do consumo de transgénicos, o que implica que os consumidores destes produtos estão a ser usados como cobaias.
Os riscos para a sustentabilidade do sector agrícola do cultivo de OGM advém da dependência que criam em relação ao fornecedor de sementes. As sementes transgénicas são mais caras que as convencionais, são patenteadas (ou seja, são propriedade de uma empresa), e não podem ser replantadas. Isto significa que os agricultores que optem por cultivar transgénicos são forçados a comprar todos os anos sementes à mesma empresa, conjuntamente com os pesticidas e herbicidas produzidos pela mesma empresa, desaparecendo o hábito milenar de armazenar parte das sementes para semear no ano seguinte.
Este “inconveniente” seria supostamente ultrapassável pela superior produtividade das sementes geneticamente modificadas. O principal argumento para a expansão dos OGM foi, aliás, a sua futura contribuição para a luta contra a fome. Mas a realidade desmente esta promessa, já que os dados disponíveis têm demonstrado que a produtividade da agricultura tende a a não ser mais elevada e até a ser mais baixa quando se cultivam OGM2. Há dois motivos para isto acontecer. O primeiro consiste no facto de o processo de transgénese (introdução de um gene estranho no organismo em causa) diminuir as resistências da planta face ao stress provocado por oscilações no clima, pragas ou deficiências nutritivas. O segundo tem a ver com o atraso temporal inerente ao processo de transgénese. O desenvolvimento de um novo OGM pode demorar vários anos e entretanto podem surgir variedades convencionais mais produtivas.
O maior risco para a agricultura, contudo, consiste na possibilidade de contaminação das culturas por polinização cruzada. Apesar de o cultivo de transgénicos ser limitado por distâncias de segurança mínimas em relação às outras culturas, o facto de que é possível os pólenes viajarem dezenas de quilómetros torna esta medida ineficaz. O risco de contaminação é tal que é praticamente impossível para um agricultor assegurar que os seus produtos serão certificados como isentos de OGM quando o seu cultivo se encontra na vizinhança de cultivos transgénicos. Para a agricultura biológica este é um sério problema, já que a contaminação de uma plantação pode levar à ruína um agricultor que tenha optado por este modo de produção, na medida em que será incapaz de escoar a sua produção pelos canais habituais. Nos EUA a contaminação das sementes atingiu tal proporção que tornou impossível a aquisição de sementes biológicas não importadas.
Sendo a coexistência entre cultivos transgénicos e tradicionais impossível, torna-se um absurdo defender que o Estado não deve intervir na escolha do cultivo pelos agricultores. Teoricamente, o problema poderia ser resolvido nos tribunais: os agricultores que enfrentassem prejuízos económicos por a sua produção ter sido contaminada com OGM poderiam processar as empresas que os comercializam. Mas o que tem acontecido é exactamente o oposto. A Monsanto chega ao ponto de contratar detectives privados para invadir campos de cultivo à procura de indícios dos seus OGM. Caso encontrem sinais de contaminação, processam o agricultor atingido por utilizar a sua patente sem autorização.
Finalmente, há que referir os riscos do cultivo de OGM para o ambiente. A ideia de que os OGM ajudariam a reduzir o uso de pesticidas e herbicidas foi já desmentida pela evidência, na medida em que a utilização destes químicos nos campos cultivados com OGM é semelhante, se não superior, à que se regista nos campos cultivados com sementes convencionais. A excepção são as plantas em que se inseriu um gene de um pesticida mas nestes casos a vantagem é apenas ilusória, já que é a própria planta que liberta o químico em causa. Por outro lado, a introdução de OGM no meio ambiente pelo seu cultivo cria o sério problema de difusão de espécies exóticas e invasoras. Espécies de plantas geneticamente modificadas ou híbridas podem espalhar-se na natureza, competindo com as espécies tradicionais. É inclusivamente possível que espécies de plantas sejam extintas devido à competição das plantas OGM.
Considerando estes riscos, vemos como os transgénicos são apenas mais um exemplo de uma nova tecnologia cujos benefícios apenas existem na mente de quem a vende e cujos custos são suportados pela sociedade. Para termos um sector agrícola capaz de alimentar o mundo sem o envenenar, temos de romper com o modo de produção intensivo, causador de poluição de solos e cursos de água e de variados problemas de saúde, e investir em modos de produção ecológicos, como a agricultura biológica ou a permacultura. Esta opção não implicará a negação do progresso, já que todos os dias são desenvolvidas novas técnicas e novos produtos que permitem aumentar a produtividade da agricultura biológica sem contaminar o meio ambiente. A negação do progresso, pelo contrário, é insistir num modelo de produção ultrapassado.
1 Ver http://www.isaaa.org/inbrief/donors/default.asp
2 A demonstração é dada no relatório de 2008 do International Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development , um painel intergovernamental formado por quatrocentos cientistas e representantes da sociedade civil e de instituições internacionais como o Banco Mundial, a FAO e a OMS, que durante quatro anos elaborou a mais completa análise do estado da agricultura no mundo que hoje dispomos. As conclusões do painel são claras: os transgénicos no seu objectivo de oferecer uma maior produtividade ou de reduzir o uso de pesticidas e herbicidas e os governos devem privilegiar o investimento na agricultura ecológica de pequena escala. Ver http://www.i-sis.org.uk/GMFreeOrganicAgriculture.php»
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