«Um lóbi pró-organismos geneticamente modificados (OGM) lançou um relatório onde se congratula pela expansão da área cultivada com transgénicos em 14 milhões de hectares no último ano, o segundo maior aumento de sempre.
opiniao 27 Fevereiro, 2011 - 03:51 Por Ricardo Coelho
O sector da “comida Frankenstein” recentemente gritou vitória de novo. O Serviço Internacional pela Aquisição de Aplicações Agro-biotecnológicas (ISAAA), um lóbi pró-organismos geneticamente modificados (OGM) financiado por empresas como a Monsanto e a Bayer e instituições como o governo dos EUA e a UNESCO1, lançou um relatório onde se congratula pela expansão da área cultivada com transgénicos em 14 milhões de hectares no último ano, o segundo maior aumento de sempre.
O país campeão do cultivo de OGM continua a ser os EUA, com 66,8 milhões de hectares. Segue-se o Brasil e a Argentina, os países para onde a produção de soja transgénica destinada à alimentação de gado está a ser deslocalizada. A lista dos maiores produtores inclui ainda a Índia, o Canadá, a China, o Paraguai, o Paquistão, a África do Sul e o Uruguai. A União Europeia, por seu lado, tem-se destacado como uma resistente à invasão dos OGM, graças à acção de movimentos ecologistas, de consumidores e de agricultores, tendo registado um declínio na área cultivada.
Dados os riscos dos OGM para a saúde, para a sustentabilidade do sector agrícola e para o ambiente, esta é uma má notícia. Vejamos por partes quais são estes riscos.
No que toca à saúde, os defensores dos transgénicos defendem a sua inocuidade para a saúde humana afirmando que não há estudo que comprove o contrário. Mas este argumento inverte o ónus da prova. Na realidade, é aos fabricantes dos OGM que compete demonstrar que estes produtos não causam qualquer risco para a saúde humana. Mas estes estudos não são feitos e ainda hoje escasseiam estudos independentes que permitam averiguar quais os perigos para a saúde do consumo de transgénicos, o que implica que os consumidores destes produtos estão a ser usados como cobaias.
Os riscos para a sustentabilidade do sector agrícola do cultivo de OGM advém da dependência que criam em relação ao fornecedor de sementes. As sementes transgénicas são mais caras que as convencionais, são patenteadas (ou seja, são propriedade de uma empresa), e não podem ser replantadas. Isto significa que os agricultores que optem por cultivar transgénicos são forçados a comprar todos os anos sementes à mesma empresa, conjuntamente com os pesticidas e herbicidas produzidos pela mesma empresa, desaparecendo o hábito milenar de armazenar parte das sementes para semear no ano seguinte.
Este “inconveniente” seria supostamente ultrapassável pela superior produtividade das sementes geneticamente modificadas. O principal argumento para a expansão dos OGM foi, aliás, a sua futura contribuição para a luta contra a fome. Mas a realidade desmente esta promessa, já que os dados disponíveis têm demonstrado que a produtividade da agricultura tende a a não ser mais elevada e até a ser mais baixa quando se cultivam OGM2. Há dois motivos para isto acontecer. O primeiro consiste no facto de o processo de transgénese (introdução de um gene estranho no organismo em causa) diminuir as resistências da planta face ao stress provocado por oscilações no clima, pragas ou deficiências nutritivas. O segundo tem a ver com o atraso temporal inerente ao processo de transgénese. O desenvolvimento de um novo OGM pode demorar vários anos e entretanto podem surgir variedades convencionais mais produtivas.
O maior risco para a agricultura, contudo, consiste na possibilidade de contaminação das culturas por polinização cruzada. Apesar de o cultivo de transgénicos ser limitado por distâncias de segurança mínimas em relação às outras culturas, o facto de que é possível os pólenes viajarem dezenas de quilómetros torna esta medida ineficaz. O risco de contaminação é tal que é praticamente impossível para um agricultor assegurar que os seus produtos serão certificados como isentos de OGM quando o seu cultivo se encontra na vizinhança de cultivos transgénicos. Para a agricultura biológica este é um sério problema, já que a contaminação de uma plantação pode levar à ruína um agricultor que tenha optado por este modo de produção, na medida em que será incapaz de escoar a sua produção pelos canais habituais. Nos EUA a contaminação das sementes atingiu tal proporção que tornou impossível a aquisição de sementes biológicas não importadas.
Sendo a coexistência entre cultivos transgénicos e tradicionais impossível, torna-se um absurdo defender que o Estado não deve intervir na escolha do cultivo pelos agricultores. Teoricamente, o problema poderia ser resolvido nos tribunais: os agricultores que enfrentassem prejuízos económicos por a sua produção ter sido contaminada com OGM poderiam processar as empresas que os comercializam. Mas o que tem acontecido é exactamente o oposto. A Monsanto chega ao ponto de contratar detectives privados para invadir campos de cultivo à procura de indícios dos seus OGM. Caso encontrem sinais de contaminação, processam o agricultor atingido por utilizar a sua patente sem autorização.
Finalmente, há que referir os riscos do cultivo de OGM para o ambiente. A ideia de que os OGM ajudariam a reduzir o uso de pesticidas e herbicidas foi já desmentida pela evidência, na medida em que a utilização destes químicos nos campos cultivados com OGM é semelhante, se não superior, à que se regista nos campos cultivados com sementes convencionais. A excepção são as plantas em que se inseriu um gene de um pesticida mas nestes casos a vantagem é apenas ilusória, já que é a própria planta que liberta o químico em causa. Por outro lado, a introdução de OGM no meio ambiente pelo seu cultivo cria o sério problema de difusão de espécies exóticas e invasoras. Espécies de plantas geneticamente modificadas ou híbridas podem espalhar-se na natureza, competindo com as espécies tradicionais. É inclusivamente possível que espécies de plantas sejam extintas devido à competição das plantas OGM.
Considerando estes riscos, vemos como os transgénicos são apenas mais um exemplo de uma nova tecnologia cujos benefícios apenas existem na mente de quem a vende e cujos custos são suportados pela sociedade. Para termos um sector agrícola capaz de alimentar o mundo sem o envenenar, temos de romper com o modo de produção intensivo, causador de poluição de solos e cursos de água e de variados problemas de saúde, e investir em modos de produção ecológicos, como a agricultura biológica ou a permacultura. Esta opção não implicará a negação do progresso, já que todos os dias são desenvolvidas novas técnicas e novos produtos que permitem aumentar a produtividade da agricultura biológica sem contaminar o meio ambiente. A negação do progresso, pelo contrário, é insistir num modelo de produção ultrapassado.
1 Ver http://www.isaaa.org/inbrief/donors/default.asp
2 A demonstração é dada no relatório de 2008 do International Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development , um painel intergovernamental formado por quatrocentos cientistas e representantes da sociedade civil e de instituições internacionais como o Banco Mundial, a FAO e a OMS, que durante quatro anos elaborou a mais completa análise do estado da agricultura no mundo que hoje dispomos. As conclusões do painel são claras: os transgénicos no seu objectivo de oferecer uma maior produtividade ou de reduzir o uso de pesticidas e herbicidas e os governos devem privilegiar o investimento na agricultura ecológica de pequena escala. Ver http://www.i-sis.org.uk/GMFreeOrganicAgriculture.php»
27 de fevereiro de 2011
9 de fevereiro de 2011
Poluição e Cancro
"Risco de cancro em Pequim desceria para metade com controlo anti-poluição permanente.
Os controlos de poluição colocados em prática em Pequim durante os Jogos Olímpicos de 2008 reduziriam para metade o risco de cancros do pulmão na cidade, se fossem permanentes, segundo um estudo agora divulgado. (...)
Com o ar mais limpo, o risco de cancros reduzir-se-ia em 46 por cento, segundo o estudo, publicado na revista Environmental Health Perspectives. (...)
Os compostos analisados no estudo – os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos – estão ligados à utilização de combustíveis fósseis, especialmente em indústrias com tecnologias antigas, sem medidas adequadas anti-poluição.(...)"
Os controlos de poluição colocados em prática em Pequim durante os Jogos Olímpicos de 2008 reduziriam para metade o risco de cancros do pulmão na cidade, se fossem permanentes, segundo um estudo agora divulgado. (...)
Com o ar mais limpo, o risco de cancros reduzir-se-ia em 46 por cento, segundo o estudo, publicado na revista Environmental Health Perspectives. (...)
Os compostos analisados no estudo – os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos – estão ligados à utilização de combustíveis fósseis, especialmente em indústrias com tecnologias antigas, sem medidas adequadas anti-poluição.(...)"
6 de fevereiro de 2011
9 Mil Milhões....
«Em 2050 a população mundial vai atingir novo marco. Seremos nove mil milhões à procura de alimentos, água, habitação e energia. Com conflitos, migrações e o efeito das alterações climáticas para gerir. Soluções, procuram-se.
Gente, gente, gente
O contador não pára. Em Portugal a população está a envelhecer, mas olha-se para lá do país e da Europa e a ideia deixa de ser um número: tudo indica que 2011 é o ano em que chegamos aos sete mil milhões de pessoas. Um artigo no diário britânico Guardian dizia que a comemoração seria a 31 de Outubro, com o nascimento de uma criança no estado de Uttar Pradesh, um dos mais populosos da Índia, com cerca de 194 milhões de habitantes.A escalada continuará pelo menos até 2050, quando, segundo as previsões demográficas, formos nove mil milhões. As Nações Unidas estão a fazer um levantamento extenso das populações dos países para apurar melhor os números de hoje e corrigir previsões. Mas é esta rapidez que assusta. "Se os níveis de fertilidade e de mortalidade que temos hoje não se alterarem, a população mundial vai adicionar mil milhões de pessoas em tempos muito pequenos", disse ao PÚBLICO Hania Zlotnik, Directora da Divisão de População das Nações Unidas.Herdámos este boom do século XX. Em cem anos a população passou dos 1,6 para os 6,1 mil milhões. "O aumento não ocorreu porque as pessoas começaram a reproduzir-se mais; em vez disso (...) deixaram finalmente de morrer como moscas", escreveu o especialista em política económica e demografia Nicholas Eberstadt num artigo na revista Foreign Affairs, onde alertava para as consequências económicas do envelhecimento das populações.No século passado a saúde melhorou, a esperança média de vida passou de 30 para 65 anos e o progresso económico ascendeu no Ocidente. Em contrapartida, a fertilidade diminuiu muito na Europa e em países como o Japão - para níveis em que a população não está a ser reposta. O fenómeno atinge a China devido às políticas de natalidade. Se a Ásia continua a ter os países com maior população (a China e a Índia estão em primeiro e segundo lugares com mais de mil milhões de pessoas cada), a fertilidade está agora na África subsariana. O continente, onde hoje vivem mil milhões de pessoas, vai duplicar o número até 2050.Mas a Terra é capaz de ter tanta gente? "A História da humanidade mostra que já fomos muito poucos, mas fomos sempre capazes de gerir as pessoas que tivemos", observou ao PÚBLICO Jorge Malheiros, especialista em migrações do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. "O número perfeito [de pessoas] tem que ver com o modelo da sociedade."Depois de 2050, as previsões dizem que pode haver uma quebra na população mundial, ou pelo menos uma estagnação. Prevê-se que vá acontecer nos países emergentes o que aconteceu no mundo ocidental: um desenvolvimento económico acompanhado de uma diminuição de fertilidade. Até lá precisamos de espaço.
Cidades e migrações
Um relatório de Janeiro da Instituição dos Engenheiros Mecânicos intitulado População: Um Planeta, Demasiadas Pessoas?, que abordava as problemáticas deste assunto, alertava para a questão da urbanização. Metade da população mundial vive em cidades, em 2050 será 75 por cento. Se isso é evidente em metrópoles como São Paulo, Pequim ou Nova Iorque, não se pode esquecer África. Em 1950 só Alexandria e o Cairo tinham mais de um milhão de pessoas, no futuro 80 cidades do continente africano vão estar nesta situação."A urbanização é uma resposta ao desenvolvimento económico", afirmou a especialista das Nações Unidas Hania Zlotnik. "Os países mais urbanizados tendem a ser os que estão melhor, um exemplo importante é a China." Segundo Zlotnik, o modelo de desenvolvimento económico que a humanidade inventou passa pela urbanização e não pela manutenção das pessoas no mundo rural. Do ponto de vista ecológico traz vantagens. "Tudo se torna mais eficiente, se as pessoas estiverem agrupadas - é mais fácil fornecer o saneamento, a água, a electricidade", afirmou ao PÚBLICO John Bongaarts, vice-presidente do Conselho Populacional em Nova Iorque, que ajudou a produzir o relatório. Por outro lado, áreas com alta concentração de pessoas permitem deixar espaço livre. Algo que "é fundamental para garantir que alguns ecossistemas sobrevivem e desempenham funções importantes", comentou ao PÚBLICO Francisco Ferreira, especialista em energia e dirigente da associação ambientalista Quercus.Mas Boongarts advertiu para um dos maiores problemas destes grandes agrupamentos urbanos, em que as pessoa migram à procura de um estilo de vida melhor: "Muito do crescimento urbano na África subsariana está a ser feito em bairros da lata. As pessoas vivem miseravelmente, a mortalidade é alta, não há acesso a infra-estruturas, serviços, etc." Parte da solução é melhorar a habitação destes bairros, mas os governos, segundo o especialista, muitas vezes não podem suportar essa despesa.Há a questão da alimentação, um dos maiores problemas que se avizinham: "As pessoas que estão nas cidades também comem, e muitas vezes comem mais produtos que são ecologicamente mais caros de cultivar."
África, o último campo agrícola
A proporção é conhecida, há comida para todos, mas um sétimo da população mundial está subnutrida, uma grande percentagem em África, e o outro sétimo come a mais. Em cima deste problema há o crescimento populacional e o desenvolvimento económico que muda os hábitos alimentares. O Banco Mundial prevê que a necessidade de cereais aumente 50 por cento entre 2000 e 2050 e a necessidade de carne aumente 85 por cento durante este período. Para alimentar todos os animais do sector pecuário já em 2030, será preciso cultivar a mesma área agrícola que alimentava a população humana em 1970."A resposta para os países ricos é sim, eles têm que consumir menos", defendeu Hania Zlotnik. "As dietas são uma coisa fundamental que provavelmente tem que mudar, não só para salvar o planeta, mas porque sabemos que dietas muito ricas em comida animal são más para a saúde das pessoas."Esta pressão já se fez sentir nas crises alimentares nos últimos anos, como a crise do arroz em 2008. No futuro, prevê-se um aumento no valor dos alimentos, que poderá tornar rentáveis espaços para a agricultura que até agora eram marginais, mas vai dificultar a vida às populações pobres, que gastam a maioria do seu rendimento em alimentação. O espaço arável na maioria da Terra está preenchido. A revolução verde permitiu, através dos fertilizantes, pesticidas e das sementes, duplicar várias vezes o rendimento das colheitas, mas esse aumento tem limites. África, contudo, ainda não teve a sua revolução verde. "O desafio é que as mudanças nas técnicas de agricultura em África sejam suficientemente céleres e possam ter em conta a rapidez com que a população está a aumentar e talvez, se tivermos sorte, possam produzir comida para o resto do mundo", explicou Zlotnik. A especialista também referiu a importância da construção de infra-estruturas, acessos, locais de armazenamento dos produtos agrícolas para diminuir a perda de estrago, que ainda é enorme nos países africanos, e, por outro lado, a abrir a possibilidade de os agricultores competirem nos mercados nacionais e internacionais. Foram estas limitações que suscitaram crises alimentares como a da Etiópia em 2003.Maria José Roxo, geógrafa e especialista em desertificação da Universidade Nova de Lisboa, argumentou, por seu lado, que um desenvolvimento agrícola tem de ter em conta os recursos naturais. "Não se pode importar modelos, nem se pode fazer o exagero que se fez nos países desenvolvidos", observou a investigadora ao PÚBLICO. "A agricultura tem que ser muito mais adaptada às condições naturais, sustentável", defendeu.
Onde está a água?
Um dos maiores problemas que esta investigadora detecta actualmente é a degradação dos solos devido à má utilização, ao abuso excessivo de fertilizantes, que pode tornar uma terra estéril e poluir lençóis de água. "Se não tiver solos, não tenho água; quanto mais contaminação de solos tiver no planeta, menos água potável vai existir", admitiu.As cidades podem ajudar a combater a falta de água. Quando a escassez ou as oscilações entre precipitação e períodos secos são cada vez mais demarcadas, o armazenamento de águas pluviais nas casas pode combater esta falta. "Muita da água de chuva que cai não é aproveitada, por isso ainda é possível ser-se muito mais eficiente com o seu uso. É preciso armazenar esta água e aproveitá-la", explicou John Bongaarts.
Novo paradigma energético
O bom aproveitamento dos recursos pode ser a diferença entre a morte e a sobrevivência. Há alimentos que se estragam, água que não é aproveitada e energia mal gasta. De todas as questões, a da energia é a que não está tão directamente relacionada com o aumento demográfico. "Os países que estão a aumentar a população mais rapidamente não são os que estão a consumir mais. Se continuarem pobres e subdesenvolvidos, vão continuar a consumir pouca energia per capita. Não é o que se quer, mas é a realidade", adiantou Zlotnik.Francisco Ferreira concorda - o problema é o mundo desenvolvido. Com ou sem aumento de população, o certo é que os combustíveis fósseis são finitos e estão a acelerar de dia para dia as alterações climáticas. Segundo o ambientalista, é preciso mudar o paradigma da energia. "É preciso apostar na eficiência energética e na redução de consumo, de modo a que continue a haver energia para todos, suportando a mobilidade, electricidade", disse Francisco Ferreira. Isto é importante que aconteça nos países desenvolvidos, de modo a diminuírem o consumo per capita. Por outro lado, é preciso "disciplinar o aumento de consumo de energia dos países emergentes, de forma a não seguirem este caminho".O ambientalista assegura que a nível tecnológico é ainda possível optimizar muito os recursos; depois é necessário passar gradualmente dos combustíveis fósseis para os combustíveis verdes. Para isso deverá melhorar-se a interconectividade entre regiões e países, de modo a fazer coincidir a produção de energia com o gasto. O relatório aponta para a aposta na energia nuclear. Francisco Ferreira acredita que se consegue "perspectivar à escala mundial um fornecimento de energia sem nuclear". Mas acrescenta que não será possível acabar com o nuclear de um dia para o outro.
Gerir um clima imprevisível
Sobre todos estes factores cai um aspecto imprevisível: as alterações climáticas. Na agricultura, um futuro em que a variabilidade do clima é ainda maior vai obrigar os agricultores a estarem preparados. Isso não será possível sem ajuda. "Os agricultores sempre tiveram que lidar com estas oscilações e no mundo desenvolvido eles fazem-no porque têm instituições que os ajudam", comentou Hania Zlotnik, acrescentando que estas instituições têm que ser "expandidas para os locais onde não existem neste momento".As cidades também vão estar sob pressão. Fenómenos como o ciclone Katrina, que em 2005 fustigou Nova Orleães, nos Estados Unidos, ou a precipitação que devastou a serra junto do Rio de Janeiro, no Brasil, no mês passado, não vão acabar. Parte deste problema é que as pessoas são atraídas para as zonas litorais, onde existe um risco acrescido, mas que são mais interessantes do ponto de vista social. "É preciso que as pessoas pensem sobre estes riscos e isso não é muito comum", adiantou Maria José Roxo, explicando que a resolução do problema passa pelo ordenamento do território e por uma cartografia das zonas de risco.Mesmo que as catástrofes não aumentem, com mais densidade populacional o mais certo é haver mais mortes, considerou Zlotnik. "A forma como as pessoas e os governos funcionam é que esperam até as coisas estarem realmente más para se mexerem."»
in Público
Gente, gente, gente
O contador não pára. Em Portugal a população está a envelhecer, mas olha-se para lá do país e da Europa e a ideia deixa de ser um número: tudo indica que 2011 é o ano em que chegamos aos sete mil milhões de pessoas. Um artigo no diário britânico Guardian dizia que a comemoração seria a 31 de Outubro, com o nascimento de uma criança no estado de Uttar Pradesh, um dos mais populosos da Índia, com cerca de 194 milhões de habitantes.A escalada continuará pelo menos até 2050, quando, segundo as previsões demográficas, formos nove mil milhões. As Nações Unidas estão a fazer um levantamento extenso das populações dos países para apurar melhor os números de hoje e corrigir previsões. Mas é esta rapidez que assusta. "Se os níveis de fertilidade e de mortalidade que temos hoje não se alterarem, a população mundial vai adicionar mil milhões de pessoas em tempos muito pequenos", disse ao PÚBLICO Hania Zlotnik, Directora da Divisão de População das Nações Unidas.Herdámos este boom do século XX. Em cem anos a população passou dos 1,6 para os 6,1 mil milhões. "O aumento não ocorreu porque as pessoas começaram a reproduzir-se mais; em vez disso (...) deixaram finalmente de morrer como moscas", escreveu o especialista em política económica e demografia Nicholas Eberstadt num artigo na revista Foreign Affairs, onde alertava para as consequências económicas do envelhecimento das populações.No século passado a saúde melhorou, a esperança média de vida passou de 30 para 65 anos e o progresso económico ascendeu no Ocidente. Em contrapartida, a fertilidade diminuiu muito na Europa e em países como o Japão - para níveis em que a população não está a ser reposta. O fenómeno atinge a China devido às políticas de natalidade. Se a Ásia continua a ter os países com maior população (a China e a Índia estão em primeiro e segundo lugares com mais de mil milhões de pessoas cada), a fertilidade está agora na África subsariana. O continente, onde hoje vivem mil milhões de pessoas, vai duplicar o número até 2050.Mas a Terra é capaz de ter tanta gente? "A História da humanidade mostra que já fomos muito poucos, mas fomos sempre capazes de gerir as pessoas que tivemos", observou ao PÚBLICO Jorge Malheiros, especialista em migrações do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. "O número perfeito [de pessoas] tem que ver com o modelo da sociedade."Depois de 2050, as previsões dizem que pode haver uma quebra na população mundial, ou pelo menos uma estagnação. Prevê-se que vá acontecer nos países emergentes o que aconteceu no mundo ocidental: um desenvolvimento económico acompanhado de uma diminuição de fertilidade. Até lá precisamos de espaço.
Cidades e migrações
Um relatório de Janeiro da Instituição dos Engenheiros Mecânicos intitulado População: Um Planeta, Demasiadas Pessoas?, que abordava as problemáticas deste assunto, alertava para a questão da urbanização. Metade da população mundial vive em cidades, em 2050 será 75 por cento. Se isso é evidente em metrópoles como São Paulo, Pequim ou Nova Iorque, não se pode esquecer África. Em 1950 só Alexandria e o Cairo tinham mais de um milhão de pessoas, no futuro 80 cidades do continente africano vão estar nesta situação."A urbanização é uma resposta ao desenvolvimento económico", afirmou a especialista das Nações Unidas Hania Zlotnik. "Os países mais urbanizados tendem a ser os que estão melhor, um exemplo importante é a China." Segundo Zlotnik, o modelo de desenvolvimento económico que a humanidade inventou passa pela urbanização e não pela manutenção das pessoas no mundo rural. Do ponto de vista ecológico traz vantagens. "Tudo se torna mais eficiente, se as pessoas estiverem agrupadas - é mais fácil fornecer o saneamento, a água, a electricidade", afirmou ao PÚBLICO John Bongaarts, vice-presidente do Conselho Populacional em Nova Iorque, que ajudou a produzir o relatório. Por outro lado, áreas com alta concentração de pessoas permitem deixar espaço livre. Algo que "é fundamental para garantir que alguns ecossistemas sobrevivem e desempenham funções importantes", comentou ao PÚBLICO Francisco Ferreira, especialista em energia e dirigente da associação ambientalista Quercus.Mas Boongarts advertiu para um dos maiores problemas destes grandes agrupamentos urbanos, em que as pessoa migram à procura de um estilo de vida melhor: "Muito do crescimento urbano na África subsariana está a ser feito em bairros da lata. As pessoas vivem miseravelmente, a mortalidade é alta, não há acesso a infra-estruturas, serviços, etc." Parte da solução é melhorar a habitação destes bairros, mas os governos, segundo o especialista, muitas vezes não podem suportar essa despesa.Há a questão da alimentação, um dos maiores problemas que se avizinham: "As pessoas que estão nas cidades também comem, e muitas vezes comem mais produtos que são ecologicamente mais caros de cultivar."
África, o último campo agrícola
A proporção é conhecida, há comida para todos, mas um sétimo da população mundial está subnutrida, uma grande percentagem em África, e o outro sétimo come a mais. Em cima deste problema há o crescimento populacional e o desenvolvimento económico que muda os hábitos alimentares. O Banco Mundial prevê que a necessidade de cereais aumente 50 por cento entre 2000 e 2050 e a necessidade de carne aumente 85 por cento durante este período. Para alimentar todos os animais do sector pecuário já em 2030, será preciso cultivar a mesma área agrícola que alimentava a população humana em 1970."A resposta para os países ricos é sim, eles têm que consumir menos", defendeu Hania Zlotnik. "As dietas são uma coisa fundamental que provavelmente tem que mudar, não só para salvar o planeta, mas porque sabemos que dietas muito ricas em comida animal são más para a saúde das pessoas."Esta pressão já se fez sentir nas crises alimentares nos últimos anos, como a crise do arroz em 2008. No futuro, prevê-se um aumento no valor dos alimentos, que poderá tornar rentáveis espaços para a agricultura que até agora eram marginais, mas vai dificultar a vida às populações pobres, que gastam a maioria do seu rendimento em alimentação. O espaço arável na maioria da Terra está preenchido. A revolução verde permitiu, através dos fertilizantes, pesticidas e das sementes, duplicar várias vezes o rendimento das colheitas, mas esse aumento tem limites. África, contudo, ainda não teve a sua revolução verde. "O desafio é que as mudanças nas técnicas de agricultura em África sejam suficientemente céleres e possam ter em conta a rapidez com que a população está a aumentar e talvez, se tivermos sorte, possam produzir comida para o resto do mundo", explicou Zlotnik. A especialista também referiu a importância da construção de infra-estruturas, acessos, locais de armazenamento dos produtos agrícolas para diminuir a perda de estrago, que ainda é enorme nos países africanos, e, por outro lado, a abrir a possibilidade de os agricultores competirem nos mercados nacionais e internacionais. Foram estas limitações que suscitaram crises alimentares como a da Etiópia em 2003.Maria José Roxo, geógrafa e especialista em desertificação da Universidade Nova de Lisboa, argumentou, por seu lado, que um desenvolvimento agrícola tem de ter em conta os recursos naturais. "Não se pode importar modelos, nem se pode fazer o exagero que se fez nos países desenvolvidos", observou a investigadora ao PÚBLICO. "A agricultura tem que ser muito mais adaptada às condições naturais, sustentável", defendeu.
Onde está a água?
Um dos maiores problemas que esta investigadora detecta actualmente é a degradação dos solos devido à má utilização, ao abuso excessivo de fertilizantes, que pode tornar uma terra estéril e poluir lençóis de água. "Se não tiver solos, não tenho água; quanto mais contaminação de solos tiver no planeta, menos água potável vai existir", admitiu.As cidades podem ajudar a combater a falta de água. Quando a escassez ou as oscilações entre precipitação e períodos secos são cada vez mais demarcadas, o armazenamento de águas pluviais nas casas pode combater esta falta. "Muita da água de chuva que cai não é aproveitada, por isso ainda é possível ser-se muito mais eficiente com o seu uso. É preciso armazenar esta água e aproveitá-la", explicou John Bongaarts.
Novo paradigma energético
O bom aproveitamento dos recursos pode ser a diferença entre a morte e a sobrevivência. Há alimentos que se estragam, água que não é aproveitada e energia mal gasta. De todas as questões, a da energia é a que não está tão directamente relacionada com o aumento demográfico. "Os países que estão a aumentar a população mais rapidamente não são os que estão a consumir mais. Se continuarem pobres e subdesenvolvidos, vão continuar a consumir pouca energia per capita. Não é o que se quer, mas é a realidade", adiantou Zlotnik.Francisco Ferreira concorda - o problema é o mundo desenvolvido. Com ou sem aumento de população, o certo é que os combustíveis fósseis são finitos e estão a acelerar de dia para dia as alterações climáticas. Segundo o ambientalista, é preciso mudar o paradigma da energia. "É preciso apostar na eficiência energética e na redução de consumo, de modo a que continue a haver energia para todos, suportando a mobilidade, electricidade", disse Francisco Ferreira. Isto é importante que aconteça nos países desenvolvidos, de modo a diminuírem o consumo per capita. Por outro lado, é preciso "disciplinar o aumento de consumo de energia dos países emergentes, de forma a não seguirem este caminho".O ambientalista assegura que a nível tecnológico é ainda possível optimizar muito os recursos; depois é necessário passar gradualmente dos combustíveis fósseis para os combustíveis verdes. Para isso deverá melhorar-se a interconectividade entre regiões e países, de modo a fazer coincidir a produção de energia com o gasto. O relatório aponta para a aposta na energia nuclear. Francisco Ferreira acredita que se consegue "perspectivar à escala mundial um fornecimento de energia sem nuclear". Mas acrescenta que não será possível acabar com o nuclear de um dia para o outro.
Gerir um clima imprevisível
Sobre todos estes factores cai um aspecto imprevisível: as alterações climáticas. Na agricultura, um futuro em que a variabilidade do clima é ainda maior vai obrigar os agricultores a estarem preparados. Isso não será possível sem ajuda. "Os agricultores sempre tiveram que lidar com estas oscilações e no mundo desenvolvido eles fazem-no porque têm instituições que os ajudam", comentou Hania Zlotnik, acrescentando que estas instituições têm que ser "expandidas para os locais onde não existem neste momento".As cidades também vão estar sob pressão. Fenómenos como o ciclone Katrina, que em 2005 fustigou Nova Orleães, nos Estados Unidos, ou a precipitação que devastou a serra junto do Rio de Janeiro, no Brasil, no mês passado, não vão acabar. Parte deste problema é que as pessoas são atraídas para as zonas litorais, onde existe um risco acrescido, mas que são mais interessantes do ponto de vista social. "É preciso que as pessoas pensem sobre estes riscos e isso não é muito comum", adiantou Maria José Roxo, explicando que a resolução do problema passa pelo ordenamento do território e por uma cartografia das zonas de risco.Mesmo que as catástrofes não aumentem, com mais densidade populacional o mais certo é haver mais mortes, considerou Zlotnik. "A forma como as pessoas e os governos funcionam é que esperam até as coisas estarem realmente más para se mexerem."»
in Público
5 de fevereiro de 2011
Como tenho estado um bocadinho inerte por aqui, pus um post sobre as escolas com contrato de associaçao noutro blog do qual faço parte há pouco tempo...
http://instrucaoprimaria.blogspot.com/
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